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 Metáfora da Poesia Potiguar









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Tarcísio Gurgel

Biografia

 

 


Obras

 


Texto crítico

 

Os de Macatuba

Escrito pelos autores:

Katiana Priscila Conceição da SILVA

Milene Cristina de Medeiros SANTOS

Najara Medeiros de ARAÚJO

Thiago Espínola de MEDEIROS


            Antes de começar a versar sobre o livro de Tarcisio Gurgel, considera-se importante fazer um breve relato sobre a vida desse autor: ele foi Graduado em Comunicação Social pela UFRN; tem Mestrado em Literatura pela PUC-RIO e Doutorado em Estudos da Linguagem pelo Programa em Pós-Graduação em Estudos de Linguagem da UFRN; é professor no Departamento de Letras, onde leciona Literatura Potiguar. Já publicou os livros “Os de Macatuba”; “O Eterno Paraíso”; “Conto por Conto” (contos); “Pai, Filhos, Espírito da Coisa”, “Informação da Literatura Potiguar” e “Introdução à Cultura do Rio Grande do Norte” (história literária e crítica, o último em parceria com Vicente Vitoriano e Deífilo Gurgel).   De todas essas obras, apenas o livro Os de Macatuba servirá de base para uma análise sob o escopo da Estilística, ou seja, como se manifestou o estilo do autor.

            O livro escolhido é constituído por vários contos. Há críticos literários que o consideram um romance, apenas escrito de um maneira diferente. Maneira esta que se dá ao fato de serem muitos contos que formam uma só história.

Na verdade, os contos de Os de Macatuba formam um tipo especial de narrativas-quadro: estão semântica e estruturalmente enquadrados no tema geral da cidade, como se percebe, aliás, no próprio titulo do livro. É como se fosse um romance segmentado em episódios [...] A disposição no livro obedece, antes, a uma ordem técnica que faz com que a leitura deles, do primeiro ao ultimo, crie a ilusão de um duplo movimento: o de um passeio pelas ruas de Macatuba e, ao mesmo tempo, o da tomada de consciência dos seus problemas humanos (TELES, Gilberto Mendonça, 1975, p. 19)

 

            Mas, como já foi dito, não é por esse caminho que irá se enveredar essa análise, mas sim sobre como se faz o estilo do autor.

            Tarcísio Gurgel, assim como outros, lança mão de uma gama de formas/maneiras que o caracteriza, sendo por meio delas que Tarcísio é capaz de expressar sua arte com tanta primazia ao codificar sua linguagem.  São essas múltiplas formas que chama atenção, pois são elas que se considera como peculiar a cada escrito produzido por alguém, também pode, assim, ser considerado como estilo. Segundo Cegalla (2008, p. 641): “Estilo é a maneira típica de cada um exprimir seus pensamentos, seus sentimentos e emoções, por meio da linguagem”.

            No livro, Os de Macatuba, consegue-se identificar alguns elementos estilísticos, os quais serão bem observados na análise que se seguirá.

            Tarcísio Gurgel escreveu e reuniu 14 contos que tratam d’Os de Macatuba, ou seja, das pessoas que vivem nessa cidade imaginária, que poderia ser qualquer cidade do interior pela verossimilhança, como bem frisou Gilberto Mendonça Teles no prefácio do referido livro. Essas semelhanças existem sob alguns aspectos:

a)      Seja quanto aos casos ou causos de seus habitantes explicitados nos contos, como o da jovem Feliciana que Caiu na boca do povo; o Relato sobre Pintassilgo, um boleiro que desistiu da fama e de viver; o caso da solteirona Mafisa que, desejosa por um homem casado (o carteiro Everaldo) em Um mensageiro, pede conselho a uma cartomante e posteriormente acaba suicidando-se; o caso de Cencinha, a dona de um bordel que fez até o bispo Ferreirinha ir a tal recinto no conto Duvidar de Cencinha, quem pode?; o Sonho andaluz de Epitácio Ventinha, o bodegueiro que pretendia satisfazer um velho sonho: realizar uma autêntica tourada, que acabou frustrada; dentre tantos outros casos/causos.

b)      Seja pelos estereótipos das personagens típicas de interior que compõem o povo macatubense: o ex doutor (Acácio Rosa) que fechou consultório na capital para ser prefeito em Macatuba, mas acabou deposto pelas velhas “oligarquias que disputavam numa acirrada tradição de sessenta anos o poder” (p. 91); o rígido bispo (Ferreirinha) que com seu ar de superioridade reprimia “os namoros que passavam das nove horas, nos bancos da praça” (pág. 55), “manga cavada em um vestido, uma saia curta” (pág. 55); o merceeiro ou bodegueiro (Ventinha); o “corno manso” (Lustosa) que acabou morto pela ex esposa; a dona do cabaré (Cencinha), mulher muito influente e respeitada, obviamente pelos homens da cidade; o carteiro e poeta (Everaldo); o compadre (Elpídio), testemunha da morte do português Lustosa; a solteirona (Mafisa Arruda); e aquelas que não poderiam faltar, as “mexeriqueiras oficiais da cidade”.

c)      Pela ambientação típica do interior e por trechos e comportamentos, que mais lembram interior nordestino: cabaré; Circo (Royal Circo de Variedades); bodega; cadeia; “Pretinho arrotando a fressura de bode do almoço” (p. 67); “destampou o pote, enfiou um copo de alumínio” (p. 74); “tendo a chuva chegado inesperadamente, um inverno em que nem se acreditava mais” (p. 85); “Desvinculou-se da extensa clientela da Clínica Ortopédica que mantinha sob ótimo conceito na Capital, comprou um par de alpercata de rabicho, arrumou um jumento sestroso e meteu-se com entusiasmo na política local” (p. 91); “rodinhas de conversa que se prolongavam madrugada a dentro na praça da matriz” (pág. 92).

d)     A fala marcada de regionalismos: “eu era pequeno, menino velho mijador de rede” (p. 24); “Quando dei fé, estava aqui” (p. 24); “Êta que faz um estirão de tempo” (p. 33); “Tem dia que a barriga ronca, você fica tonto e haja passamento” (p.34); “Minha tia, não vale o que o gato enterra” (p. 34); “Eu nunca tinha ouvido falar desse incréu” (p. 39); “Vôte!” (p. 39); “Pilão estava numa caninga desgraçada” (p. 39); “Esse velho é mais é zuruó” (p. 40); “Nazinha não é lá flor que se cheire” (p. 40); “Bora” (p. 40); “a menina estava dormindo numa ruma de esteiras” (p. 41); “Certamente ficou escrabiada” (p. 41); “O velho ficou enrabichado” (p. 43); “Um mau jeito no espinhaço e dor no pé-da-barriga.” (p. 47); “mostrando a existência do Capiroto” (p. 55) “magra de se cortar os carretéis da espinha” (p. 65); “Nunca mijei fora do caco” (pág. 97).

É interessante notar que cada um dos contos adquire um tom de fofoca, típico de cidade de interior, onde é comum as pessoas tomarem definição da vida alheia. Além disso, as histórias são interligadas, visto que alguns personagens de um conto são citados em outros, dando maior credibilidade à idéia de fofoca, do disse-me-disse.

Esse é somente mais um dos aspectos que vem fidelizar a “paisagem interiorana”, a qual possivelmente tem raízes no fato de que o escritor Tarcísio Gurgel é natural de Mossoró, interior do Rio Grande do Norte. Portanto só um “nativo” desse tipo de lugar para escrever de forma tão convicta a vida de suas personagens, o que possibilita ao leitor, preferencialmente se ele é interiorano também, ao final da leitura, estar já familiarizado com as situações, íntimo das personagens, sentindo-se já um macatubense. E tentado a identificar na própria cidadezinha do interior em que vive ou residiu, uma Cencinha, uma Mafisa Arruda, o ex doutor e prefeito Acácio...

Enfim, “tem gente que diz que certas coisas só acontecem em Macatuba” (pág. 98). E é em meio às fofocas, às inusitadas situações porque passam as personagens que o leitor vai se identificando (se é de interior) ou se familiarizando (se não teve tal experiência). O comum a ambos é a prazerosa e muitas vezes cômica leitura.

Tais elementos vão tornando a obra cada vez mais um feito único, próprio do autor. Vale a pena ressaltar que a maioria dos contos estão escritos em períodos curtos, recurso este que torna os contos mais próximos da oralidade e ainda deixa a leitura mais agradável e menos entediante, fazendo com que o leitor sinta vontade de ler o livro até o final. Dando também aos contos um aspecto de realismo e as personagens assemelham-se ao homem comum, com todos os seus contrastes.

Considera-se ainda na obra de Tarcísio a presença recorrente das reticências, como forma de deixar margem ao leitor para fazer suas inferências, bem como uma maneira de representação da oralidade e dos pensamentos do autor, que ora apresenta a linguagem em um ritmo acelerado, ora mostra-se tranqüila lenta, esta última revelando uma característica tipicamente interiorana.

Outro recurso também observado é como ele mescla do discurso direto e discurso indireto, que também fazem com que nessa atmosfera de fábula se aproxima da realidade, mostrando que dentro dos contos existe um jogo de “esconde-aparece”. Pois é na forma como Tarcísio Gurgel escreve, que ele alia brilhante o real e o irreal, esse contraste parece ser proposital, pois é tão bem manipulado que deixa transparecer que essa é a real intenção do autor.

            A junção entre esses dois recursos citados logo acima mostra como os contos foram bem escritos e que, portanto, foi capaz de trazer para os textos um tom de verossimilhança que faz com o que leitor sinta-se muitas vezes como se já tivesse vivido algo parecido.

            Percebe-se também, como marca estilística do autor, um emaranhado de gêneros em suas produções escritas. Tarcísio em alguns momentos escreve com as estruturas de conto tal como deve ser o gênero, em outros permite uma mistura de prosa e versos na mesma estrutura textual, o que não influência negativamente na riqueza de sua obra, ao contrário, prova que é um grande autor. Isso mostra que ele não está preso a formas, mas sente-se livre para criar e expressar como deseja seus mais puros sentimentos e emoções, como se estivesse em plena voracidade criativa.

Vertente também observada foi o erotismo, pois este está presente em grande parte da produção literária. Sua utilização é bastante recorrente, talvez porque, através dele, os autores conseguem expressar seus sentimentos e desejos mais íntimos, mostrando as várias faces que o erotismo pode mostrar. Tem autores que escrevem sobre romances, sobre amor e sensualidade, e também há aqueles que o tratam como uma fantasia, um puro desejo, que recorre de uma necessidade e não de um sentimento.

Tarcísio Gurgel é um desses autores que tratam o erotismo como um desejo que não se constrói através de sentimentos de amor, mas de uma necessidade para se viver ou de puro prazer. Em seus contos, presentes no livro “Os de Macatuba”, ele conta várias histórias que envolvem o erotismo e em sua maioria, este tema é visto dessa forma, bem “escrachado”, sem rodeios, típico do conto contemporâneo em que o escritor se insere. Dos 14 contos existentes, em 11 a vida amorosa ou é tema, ou é ao menos suscitada. As personagens falam de suas intimidades naturalmente, sem o menor constrangimento, como por exemplo, nos seguintes contos:

 

01. NO VÔO DO INSETO PRATEADO

            Temos um homem que expõe sua intimidade com a namorada Ricardina: “Só achei parecido com o dia em que acordei com aquelas saraças subindo nas minhas pernas e foram subindo... subindo... e começaram a fazer cócegas no meu... Igualmente a quando eu ficava enfiando em Ricardina e dava aquela comichão gostosa que eu morria de gozo. [...] ficava olhando Ricardina. Aí, lembrava do trabalho que tive para convencer. [...] tinha era pena de não poder ter mais para dar. E inveja – devo e não nego – desse tal Catunda: considerado o homem de mais macheza de Macatuba, amigadinho-amigadinho com Soraya [...] mulher de difícil satisfação. Não era com qualquer um... Quando a gente [ele e Ricardina] começou – ai, a campanha de Acácio Rosa! Ela ainda era moça-donzela [...] Só me lembro que quando furei, as flores começaram a voar e ela se distraiu tanto que nem falou em dor.” (pág.23) “Foi quando ela [Ricardina] disse: meu menino... e passou a mão no meu cabelo e alisou o meu... sorrindo. E eu digo que tive uma vergonha muito grande.” (pág. 25)

 

04.  NA BOCA DO POVO

            Esse é o conto de uma jovem, Feliciana, filha de Do Céu, esta “uma rapariga, mas de peso e medida” (pág. 39). Feliciana, tida como “muito da enxerida. Desde pequenininha.” (pág. 39), havia caído Na boca do povo por um suposto envolvimento com dois homens: “o que eu sei é que se diz que ela fornicava com os dois: Pilão que vivia junto com a mãe, e esse tal de Eusébio.” (pág. 39). “E diz que ele [Eusébio] foi se aproximando da vadia depois de Do Céu morder a orelha de Pilão. [...] Nazinha de Luiz Maquinista jura porque jura que Pilão quis forçar a menina. [...] Acaba, o povo diz que filho de puta dá sorte... Sorte mais cachorra, essa...” (pág. 40) “A mãe, puta. A filha diz: arreda! Do Céu diz que caiu, por necessidade... De quê? Só se for de sem-vergonheza. [...] Ventinha, homem: deixe de caninga. Essa menina, Feliciana, que fugiu com o velho: é puta ou é brinquedo? (pág. 41).

 

10.  DUVIDAR DE CENCINHA, QUEM PODE?

            O ápice da temática sexo, lubricidade, luxúria, ou seja, qual for o termo adequado à situação, está no conto de Cencinha, a dona do cabaré de Macatuba, que “manteve relações sexosociais com as figuras mais representativas da região e nunca fez segredo disto.” (pág. 79). “Em casa de Cencinha são múltiplas as opções.” (pág. 80) Cada uma de suas meninas tem uma habilidade usada antes de iniciar qualquer jogo amoroso, seja fazer strip-tease, seja dançar rumba, andar sobre um cabo de aço, ou cantar. “Foi dela, Cencinha, mulher de mui aguda imaginação, a idéia de lançar a ‘Temporada do Amor’ [...] tudo que era adolescente masculino em Macatuba, devia ser encaminhado à mencionada pensão durante o mês de julho época de férias – e segundo ela, o mês mais afrodisíaco do ano – para ser iniciado.” (pág. 80)

Como pode ser observado em alguns trechos, o sexo é bastante presente nas relações dos personagens. Alguns contos tratam da relação entre casais, outros da vida em um bordel, onde se vive do sexo. Até nessa temática ele é realista, pois sabe-se que sexo em cidade pequena é o que há de mais pudico, então novamente ele se aproxima da realidade, agora não apenas pela linguagem, mas pelos atos das personagens.

Após essas considerações feitas sobre como Tarcísio Gurgel escreveu o livro Os de Macatuba pode-se dizer que soube como muita habilidade utilizar as palavras a seu favor. É uma obra literária que possui fortes marcações da escrita moderna, e o estilo do autor se revela na alternância no nível linguístico existente na obra, visto que é uma coletânea de contos recheada de vozes, estas ora enfeitadas com os adornos da retórica, ora representantes de uma oralidade popular informal e maliciosa.

E ainda que ele procura de alguma forma representar ficcionalmente o que de fato ocorre no cotidiano das pessoas, o que nos leva a crer que os autores literários modernos escrevem sobre fatos do dia-a-dia, realidades de vida que partem de eventos reais.

 

 

Referência

 

BOSI, Alfredo. O Conto Brasileiro Contemporaneo. São Paulo: Cultrix, 2006, p. 7-22.

 

GURGEL, Tarcísio. Os de macatuba. Fundação José Augusto, Gráfica Manimbu: Natal, 1975. 108 pág.

 

Disponivel em: <https://www.feiradolivrodemossoro.com.br/divopen.convidado?convidado=74> Acesso em11 de dezembro de 2010